A escolha do padrão do rádio digital no contexto
das RadCom.
O seguinte texto pretende explicar um pouco mais a
respeito dos dois padrões de radiodifusão digital em debate no Brasil com foco
no contexto e preocupações das rádios comunitárias. Resumimos algumas
características tecnológicas de interesse comunitário e suas implicações
sociais e terminamos com uma descrição da postura do DRM-Brasil dentro do
debate, como um ator que reconhece a importância e suporta a futura existência
das rádios comunitárias transmitindo tanto em analógico quanto em digital. De
maneira comparativa, o texto pretende socializar conhecimentos com as rádios
comunitárias, intensificando o debate com elas e suas associações. Esperamos
que este diálogo possa contribuir com uma iniciativa ampla para garantir um
futuro aberto e participativo da radiodifusão no Brasil, na América Latina e no
mundo.
1.
O que é um padrão de rádio? Como se distinguem padrões analógicos e digitais?
Um padrão de radiodifusão define a forma como é
feita transmissão de conteúdo, principalmente audiofônico, através do espectro,
com a finalidade de enviar sinais que serão recebidos por receptores, dado
certas regras e normas de uso. FM e AM são os padrões analógicos de rádio
atualmente utilizados, aceitos mundialmente e em funcionamento há décadas em
muitos países. Ambos os padrões de rádio digital considerados pelo Brasil, DRM
e HD Radio, permitem a coexistência dos atuais modos de transmissão, com
diferentes características tecnológicas e implicações sociais.
2.
Características tecnológicas do rádio digital
2.1.De que maneira o DRM e HD Radio permitem um uso
compartilhado da faixa do FM e outras faixas?
HD Radio: Permite um uso compartilhado entre sinais
analógicos e digitais na faixa de FM. Não existe uma proposta do HD Radio para
emissões digitais nas faixas de Ondas Tropicais e Ondas Curtas. Na faixa de
Ondas Médias (faixa onde se utiliza a modulação AM), o sistema não se mostra
satisfatório e apresenta uma lenta adoção nos Estados Unidos.
O DRM permite compartilhar frequências dentro do FM
e adicionalmente em todas as outras faixas de radiodifusão, por exemplo as
Ondas Curtas, pelas quais hoje transmitem emissoras da EBC, como a Rádio
Nacional da Amazônia, que garante uma cobertura radiofônica em todo Brasil,
como serviço gratuito e universal.
2.2.Como mudará o número de frequências disponíveis?
Dentro de um ambiente compartilhado entre usos
analógicos e digitais se podem distinguir os padrões HD Radio e DRM nas
seguintes visões:
HD Radio: Pretende compartilhar a faixa FM entre
rádios analógicas e digitais. Num ambiente isolado (na banda de 88 a 108MHz) se
poderia manter o mesmo número de rádios analógicas, permitindo que estas mesmas
rádios transmitam também em digital. Pelo fato do sistema utilizar os dois
canais adjacentes ao analógico (superior e inferior, considerando os 200kHz do
FM somados aos 200kHz do sinal HD, resulta em 400kHz e, em AM, 20kHz que
somados aos 10kHz do AM chega a 30kHz), sinais de emissoras nestas frequências
adjacentes, que estejam em regiões próximas, poderão sofrer interferência.
Desta forma, tanto a recepção digital quanto a analógica serão prejudicadas.
[ver:
Minassian, Ara – SEMINÁRIO DE RÁDIO DIGITAL Impactos na Gestão do Espectro de
Radiofrequência, em:http://www.mc.gov.br/servicos/apresentacoes/doc_download/432-ara-apkar-minassian-anatel]
Vale a pena sublinhar dois pontos: compartilhar não
significa que assim se assegure a futura existência de todas as licenças e
outorgas. Rádios de baixa potência, por exemplo, poderiam tanto sofrer
interferência de emissoras potentes como serem consideradas causadoras destas
interferências, justificando argumentos para o seu fechamento. Além disso o HD
Radio não possui uma proposta para o futuro uso das Ondas Curtas e Tropicais.
DRM:Pode compartilhar a banda do FM com as
transmissões digitais, mas também pode aproveitar outras faixas de espectro.
Quando transmitido em canal adjacente, o sinal digital DRM ocupa somente um
desses canais (inferior OU superior, considerando os 200kHz do FM somados aos
100kHz do sinal DRM, resulta em 300kHz e, em AM, 10kHz que somados aos 10kHz do
AM chega a 20kHz) de forma a permitir uma gestão do espectro que garanta uma
menor interferência entre distintas emissoras. No caso de não ser possível
emitir o sinal digital em canal adjacente devido a interferência [Minassian,
Ara, ibidem], é possível fazer o simulcast (transmissão simultânea)
analógico/digital posicionando o sinal digital em frequência distinta, dentro
da faixa dos canais 5 e 6 da TV analógico, por exemplo. Essa característica de
flexibilidade do DRM garante uma gestão ótima do espectro sem que haja nenhuma
interferência destrutiva entre emissoras.
O número disponível de estações depende de como
será negociado o futuro uso do espectro por atores estatais, públicos,
comerciais, comunitários, etc. De toda forma, no processo de digitalização, a
introdução do DRM não restringiria o acesso de rádios comunitárias à faixa do
FM analógica, onde o acesso depende mais da legislação vigente sobre o uso de
licenças e outorgas. Em comparação direta com a transmissão HD Radio + FM, a
cada 4 emissoras DRM + FM, caberiam somente 3 emissoras HD Radio + FM.
Dentro de um ambiente totalmente digital, os
padrões se distinguem da seguinte forma:
HD Radio: Prevê uma canalização de 400kHz. Na banda
atual de FM analógica, será possível, com a digitalização, uma transmissão HD
Radio a cada dois canais FM, num total de 50 emissoras em ambiente isolado (sem
considerar características geográficas), considerando-se a faixa de 88MHz a
108MHz.
DRM: Prevê uma canalização de 100kHz. Na banda
atual de FM analógica, serão possíveis duas transmissões DRM por canal FM, num
total de 200 emissoras em ambiente isolado (sem considerar características
geográficas), considerando-se a faixa de 88MHz a 108MHz.
2.3.Como mudará a questão de potência e recepção?
Antes de falar dos dois padrões em questão,
apresentamos algumas características gerais sobre a questão da potência no
ambiente digital:
O ambiente digital exige que seja estabelecida uma
relação de potência entre a transmissão analógica e digital. Considerando uma
estação FM com dada potência, pode-se transmitir com o sinal digital em canal
adjacente com uma potência menor porém com o mesmo alcance do sinal analógico,
ou alternativamente, pode-se manter a mesma potência analógica abrangendo uma
maior área de cobertura. Isso influencia também na questão do uso igualitário
do espectro entre os distintos atores radiofônicos estatais, comerciais e
comunitários.
Na recepção digital o áudio ou é recebido com
qualidade perfeita ou não é recebido, sendo que no limite da área de cobertura
do sinal, o áudio fica cortando. Ademais, existe um atraso entre o áudio
injetado no transmissor e o áudio reproduzido pelo receptor (no DRM esse atraso
varia de 0,4s a 2,5s e no HD varia de 4s a 8s).
As características dos padrões ligados à potência e
distintos tipos de emissoras de rádios são:
O HD Radio não foi pensado para emissoras de baixa
potência. Fica evidente que este sistema é inadequado para a realidade
brasileira onde cerca de 7.000 emissoras são de baixa potência. Tais emissoras
seriam eventualmente enfraquecidas pela interferência de sinais de alta
potência de rádios transmitindo em frequência adjacentes.
O DRMnão prioriza nenhuma classe de potência,
permitindo a coexistência de rádios de distintos alcances, fomentando a
diversidade de usos do meio.
2.4.Abertura e flexibilidade do padrão
HD Rádio estáprevisto para operar nas faixas do FM
(VHF banda II) e OM, sendo que em OM não funciona satisfatoriamente segundo as
próprias emissoras norte-americanas.
Não possui solução para as bandas de OT e OC. O
codec de áudio do HD Radio é segredo industrial e possui uma implementação cara
que só é vendida pela empresa que detém o padrão, a Ibiquity, ou com sua
autorizada brasileira, a TellHD. Tanto no uso compartilhado como em ambiente
digital puro, funciona como um padrão comercial fechado.
O DRM: pode se aplicar a todas as faixas de
frequência, de acordo com as necessidades e visões da sociedade civil. Pode ser
usado dentro e fora da faixa FM.
Possui a capacidade de transmitir mais de um
programa de áudio pela mesma infraestrutura de transmissão permitindo que, por
exemplo, até quatro programas de áudio da mesma emissora ou de emissoras
distintas sejam transmitidos de forma compartilhada simultaneamente.
O codec de audio do DRM é o AAC, que é o mesmo da
TV Digital, fato que permite a um equipamento receptor de TV Digital
compartilhe tanto o hardware que decodifica o AAC como os royalties, que seriam
pagos somente uma vez para ambos sistemas, tanto de rádio quanto de TV Digital
nacionais.
2.5.Como o padrão de rádio digital vai influenciar no
debate e implementação do novo marco regulatório das comunicações?
A introdução do DRM ou do HD Radio vão contribuir
de maneiras distintas sobre o futuro debate do marco legal das comunicações.
HD Radio: a introdução do HD Radio prevê o
“fechamento” do uso de espectro, pois não o otimiza, além de não favorecer o
compartilhamento de frequências. É um padrão rígido que busca evitar a entrada
de novos atores dentro da faixa do espectro para radiodifusão.
DRM: funciona como uma plataforma de radiodifusão
digital que otimiza o uso do espectro. Existem já evoluções ao padrão com
distintos componentes tecnológicos (como a incorporação do sistema de
interatividade brasileiro da TV Digital, o Ginga) e será possível também
desenvolver outros dispositivos que possam ser aplicados de acordo com as
necessidades das comunidades.
2.6.O pagamento de royalties e disponibilidade de
tecnologia
HD
Radio: ovalor dos royalties do HD Radio não está publicado abertamente e é
cobrado diretamente pela empresa que desenvolveu a tecnologia. No caso de
receptores, são pagos royalties tanto pelo produtor de chipset quanto pela
empresa que fabrica o receptor. A página que descreve royalties da Ibiquity é:http://www.ibiquity.com/manufacturers/receiver_manufacturers/license_agreement
Grandes empresas que produzem chipset, como a NXP e
a Parrot, já declararam publicamente que os valores de royalties cobrados pelo
HD Radio são muito superiores ao cobrados pelo DRM.
A tecnologia de codificação e modulação do HD Radio
está disponível somente através da Ibiquity, e não existe nem é possível
implementação aberta do padrão pois existem segredos industriais no HD Radio
que não são conhecidos, como o codec de áudio HDC.
DRM:
os royalties são pagos por empresas que produzem transmissores e receptores. O
valor dos royalties cobrados pelo uso do padrão DRM é divulgado, pago somente
uma vez, e cobrado por uma empresa terceirizada especializada (Via Licensing)
que somente distribui os royalties às empresas que desenvolveram tecnologias
presentes no padrão. O Consórcio DRM não recebe nenhum royalty. Os valorem
cobrados podem ser acessado nessa página:http://www.vialicensing.com/licensing/drm-fees.aspx
No caso de um receptor DRM, os royalties variam de
nenhum pagamento até U$ 1,70 por unidade, dependendo do volume de produção.
No caso de um transmissor DRM, o valor é de 2% do
produto final, ou U$100 caso o valor de 2% seja inferior a U$100.
A tecnologia de codificação e modulação do DRM está
amplamente disponível, existindo inclusive implementações abertas do padrão a
custo zero.
2.7.Quem recebe royalties?
HD Radio: a empresa Ibiquity cobra todos os
royalties. Pagar royalties somente pode ser reduzido em negociações com
Ibiquity, sem a possibilidade de substituir tecnologias ou técnicas com
royalties por outros componentes.
DRM: Distintas instituições (Fraunhofer, Dolby,
etc.) recebem os royaties através da mediação de uma empresa isenta, a Via
Licensing. Os royalties são em sua maioria investidos em desenvolvimentos
direcionados à evolução do padrão. Além disso, a estrutura do DRM permitiria
trocar componentes que exigem royalties por outros que não resultam em custos.
2.8.O que se pode comprar e quem produz o equipamento?
No caso do HD Radio, pode-se adquirir transmissores
de alta potência, com alto custo, de empresas como Harris e Continental. Quando
se fala da maior disponibilidade de transmissores e receptores digitais,
devemos entender o contexto a que se refere esse tipo de equipamento levando em
consideração as necessidades de potências mais diversas. Não existe nenhuma
empresa nacional que fabrica transmissores HD Radio devido ao desinteresse da
Ibiquity em transferir a tecnologia às empresas brasileiras.
[ver:
Carta da Associação Brasileira da Indústria da Radiodifusão ao Ministro Paulo
Bernardo – http://www.drm-brasil.org/content/associa%C3%A7%C3%A3o-brasileira-da-ind%C3%BAstria-da-radiodifus%C3%A3o-envia-carta-favor-do-drm-ao-paulo-bernard]
Já o DRM permite a entrada de novos atores. Existem
hoje empresas nacionais produzindo transmissores DRM, como a BT Broadcast
Transmitters, Digicast e Teletronix. A tecnologia de encodere modulador DRM é
provida por várias empresas e institutos de pesquisa como a Digidia, RF
Mondial, KETI e Fraunhofer Institute, além de existirem implementações abertas
do DRM feitas por Universidades como a Leibniz University de Hannover, da
Karlsruhe University e a Darmstadt Univesity.
Como o DRM é um padrão aberto, encoder e
moduladores DRM nacionais de baixo custo devem estar disponíveis no mercado em
menos de um ano, possibilitando preços acessíveis às rádios comunitárias. Isso
é também consequência do modelo de concepção do desenvolvimento do DRM, um
consórcio internacional formado por emissoras públicas (BBC, Deutsche Welle,
All India Radio) empresas privadas, universidades e institutos de pesquisa.
2.9.O futuro desenvolvimento do uso e possibilidades de
participar.
Perguntando-se como a introdução de um padrão ou
outro influirá sobre o futuro das comunicações, suas implicações e
implementações de tecnologias, podem-se, baseado nos modelos de negócios e
parcerias existentes, tirar as seguintes conclusões:
HD Radio: é, como dito já varias vezes, um padrão
comercial que até agora somente prevê o uso de implementações proprietárias
estrangeiras e fechadas.
DRM: Pensado como padrão global, reconhecido pela
UIT (União Internacional de Telecomunicações – ONU), é apoiado por vários
atores de diversos segmentos da radiodifusão em vários países. Sendo uma norma
aberta, facilita a inserção de inovações. Como exemplo dessa característica
colaborativa podemos citar implementações em software livre do DRM, como o
Dream, que é um transmissor e receptor DRM.
O uso de software livre permitirá também a adaptação
especifica ao padrão dado pelo contexto brasileiro. Já existe uma experiência
similar na área de televisão digital onde houve uma adaptação do padrão
japonês. Demostra-se que existem possibilidades para modificar e adaptar
padrões tecnológicas segundo necessidades especificas, sem necessariamente ter
que criar um padrão nacional específico – um projeto que a essa altura já
perdeu viabilidade ou chance de adoção global.
Como exemplo podemos citar a incorporação do
middleware de interatividade Ginga ao DRM. Já consolidado na TV Digital, a
adoção do Ginga permitiria a interoperabilidade entre os sistemas além de
oferecer novos e diversos usos em sua utilização no rádio, como por exemplo
aplicações de educação à distância, informação multimídia, soluções de
geolocalização, alertas de emergência e quaisquer outros fins comunitários e
comunicacionais a serem pensados no aplicativo interativo.
Com a adição do Ginga ao DRM, somadas possíveis
melhorias, o padrão aqui proposto é o DRM-B, um padrão de radiodifusão digital
baseado no DRM com adaptações nacionais.
3.
Para entender melhor a postura do DRM Brasil (DRM-B)
Gostaríamos de resumir as vantagens e especificar o
porquê da defesa de um padrão que vamos chamar DRM-B.
O DRM-B se propõe ao uso adicional das faixas de
transmissão, além do atual uso do FM. Não exige ou prevê qualquer apagão,
visando garantir seu uso futuro ao lado e concomitantemente a outros serviços e
padrões.
O DRM-B permite o uso público do espectro, a
complementaridade dos serviços de radiodifusão, incluso evidentemente os
serviços da radiodifusão comunitária.
O DRM-B possibilita o aproveitamento e a
flexibilidade da tecnologia DRM como uma plataforma para definir o futuro uso
do espectro. Como já dito, a implementação do HD Radio fecharia essa
possibilidade precipitadamente.
O DRM-B possibilita adequar a potência das rádios
comunitárias em todas as bandas e de acordo com as necessidades de cada
comunidade.
O DRM-B viabiliza um debate público no âmbito da
implementação de sua tecnologia.
Além disso vemos com muito gosto a decisão da
Agencia Latino-americana da Educação Radiofônica (ALER), do CMFE (Centro de
Mídia Comunitária Europeu) e AMARC Europa de não somente reclamar o direito de
fazer rádio comunitária também num ambiente digital, mas também apoiar publicamente
o DRM como melhor padrão tanto para as suas regiões como internacionalmente.
O DRM permite manter aberto o debate do rádio,
fazendo com que o Brasil se apresente como espaço de experimentação e inovação,
onde se podem implementar ideias e propostas da sociedade civil. O
desenvolvimento do rádio digital em sua dimensão sócio-técnica se fará num
diálogo com outras iniciativas em outros países interessados na criação de um
ambiente aberto, plural e participativo para os distintos atores radiofônicos.
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